Ao contrário do que acontece com tantas
celebridades, não havia na infância de Debussy, nenhum sinal que apontasse para
um grande destino. Ao que parece, jamais teria passado pela escola; e até a
mocidade mal coseguia soletrar. Seu pai Manuel Achille Debussy, foi ez
fuzileiro naval, foi comerciante e depois empregado de uma grade companhia. A
mãe, Victorine não se destacou sequer pela devoção materna. Nenhum músico na
família, nenhum artista, nenhum incentivo em casa. Mais tarde, ele jamais gostaria
de falar da infância: “Ah, mamãe! Os
bofetões! Deles eu me lembro muito bem”. Ou então sobre o seu pai: “Era um velho vagabundo!” não deixava de
haver uma ponta de afeição nesses comentários, mas eles revelavam como terá
sido difícil a convivência com os pais e outros quatro irmãos.
Achille-Claude Debussy nasceu em 22 de agosto
de 1862 em Sant Germain-em-Laye, uma pequena cidade nos limites de Paris. O
avesso do menino prodígio, do músico precoce: Mozart, Schubert e tantos outros
já haviam composto metade de suas obras por volta dos vinte e poucos anos de
idade, em que Debussy estaria engatinhando na carreira. Sua iniciação um tanto
tardia se devem aos padrinhos de batismo: a tia paterna Clémentine e um rico
homem de negócios, Achille-Antoine Arosa. Os dois jamais se casariam, mas
Antoine era, como se costumava dizer, o “protetor” de tia Clémentine. Era uma
felicidade para Claude quando o padrinho o levava para sua bela e luxuosa casa
em Saint-Cloud, ou quando iam passear em Cannes, na Côte D’Azur. O mar deixava
o garoto encantado. O movimento das ondas, o ritmo caprichoso, a transparências,
a textura, os reflexos. Tudo isso seria fundamental mais tarde, quando ele
criasse suas próprias regras musicais. O mar, belo e indomável foi o primeiro
professor de música de Debussy. É claro que a princípio o impacto da visão do
mar não lhe despertou propriamente, uma visão de mundo sonoro. O pequeno Claude
dizia que quando crescesse, seria marinheiro, decisão que agradou aos pais. Mas
durante uma estada em Cannes, Clémentine proporcionou ao afilhado, então com nove
anos, as primeiras lições de piano, dadas por um professor italiano, chamado
Cerutti. O pianista da orquestra municipal de Cannes não notou nenhuma aptidão
maior no menino. Seus dons seriam percebidos logo em seguida, em Paris, ao
frequentar as aulas de uma aluna de Chopin, Mauté de Fleurville. Sogra do poeta
Paul Verlaine, mulher de espírito penetrante e reconhecidamente uma professora
de valor, foi a primeira a divisar o futuro de Debussy. “Devo a ela o pouco de piano que sei”, diria ele, anos depois, modestamente
agradecido a grande mestra. Além de aluna de Chopin, Fleurville conhecia Wagner
pessoalmente e havia convivido com o poeta Alfred de Musset e o escritor Honoré
de Balsac. Difícil imaginar alguém melhor do que ela para iniciar o jovem
artista. Usando de sua autoridade, Fleurville convenceu os pais de
Achille-Claude a deixá-lo seguir a carreira de músico profissional, em vez de
marinheiro. Ela lhes mostrou o quanto poderia ganhar bem um pianista virtuose.
Foi o argumento decisivo. Aos 11 anos, o menino entrou para o conservatório de
Paris. Graças aos ensinamentos de Mauté
de Fleurville, já em 1873 ele seria
admitido na classe superior de piano de Antoine Marmontel, um disciplinado formador
de virtuoses, que escreverá no boletim de Achille-Claude: “criança encantadora,
verdadeiro temperamento de artista, vai
tornar-se músico distinto, muito futuro.” Não tardou, porém, o jovenzinho a
escandalizar os professores com sua independência e suas perguntas
desconcertantes, subversivas. O pai, ambicioso, sonhando com o sucesso,
obrigava-o a estudar exaustivamente todos os dias. Só dava trégua aos domingos,
quando Claude podia correr para o Bois de Boulogne, um bosque dentro de Paris,
onde se divertia caçando borboletas. Voltava para a casa, pregava-as na parede
do quarto e ficava admirando os delicados desenhos e as cores das asas.
Durante 12 ano, ele iria segui, sem muito
entusiasmo, o curso do conservatório. Ia bem em algumas matérias, mal em outras,
dependendo do relacionamento com os professores. O academicismo do ensino o
incomodava. Não se conformava com as
formas estabelecidas, as imposições, as “verdades absolutas”, e lá vi o menino
com suas questões: de onde vêm essas leis
que submentem os acordes a serem dessa ou daquela maneira?não se pode mudá-las?
E essas escalas porque não consideramos os sons individualmente, deixando ao
compositor total liberdade para agrupá-los a seu gosto? O que significam essas
denominações de tempo forte, tempo fraco, tempo composto? Composto de quê?
Achille–Claude não via necessidade de
explicações teóricas que não se baseassem em experiências auditivas. Essa atitude perturbava os mestres;
eles se viam diante de problemas que não
entendiam como pudesse passar pela cabeça de um adolescente. Para eles, era
como tentar responder porque o céu é azul, ou porque a gente anda para a
frente. Tratava-se de verdades indiscutíveis. Havia, porém, entre os mestres, aqueles que
viam nas impertinências do menino, sinais de um espírito inquieto e
interessado, em busca de novos caminhos. O professor de solfejo, por exemplo.
Albert Lavignac, um jovem de 27 anos, simpatizou com Claude. Ficaram amigos.
Conversavam longamente sobre música e costumavam permanecer na escola depois das
aulas, decifrando partituras a quatro mãos no piano. Lavignac partilhara da
grande admiração que o compositor alemão Richard Wagner despertava no mundo
musical da época. E levou para o aluno a partitura de Tannhäuser. Certo dia, os
dois se empolgaram analisando os da escritura wagneriana, e não perceberam o
correr das horas. Quando se deram conta, estavam trancados na escola. Um vigia
os descobriu, perdidos nos corredores desertos e escuros e os libertou. A direção do conservatório se escandalizou com a
atitude “ inconsequente” dos dois. Mas a amizade com Lavignac era um estímulo
para Achille-Claude, que iria ganhar sua primeira medalha em solfejo. A situação era bem diferente nas aulas de
piano, para a grade decepção de Manuel Debussy. O professor Marmontel, a quem o
compositor Berlioz chamava de “um dos
grades sacerdotes da rotina”, não
tinha a mesma disposição de Lavignac e não gostava de ver seus métodos
questionados. Claude por su8a vez, não mostrava o menor interesse em praticar a
“ginástica digital”: arpejos, escalas, trinados, notas repetidas. Cansava-se
dos exercícios e não via a hora de decifrar qualquer partitura que lhe caísse nas mãos. Ou então fazer o que
mais gostava: improvisar. Procurava novos acordes, harmonias incomuns, tudo que
incomodava a Marmontel. O mestre dizia do aluno: “não gosta de tocar piano, mas sem dúvida gosta muito de música.” Por
seis anos, Achille-Claude tentou ganhar o primeiro prêmio de piano, sem
conseguir. Não progredia tecnicamente e sua maneira de interpretar, cada vês
mais pessoal, desagradava os membros do júri. Um dos colegas de classe de
Marmontel, diria: “ele nos assombrava com seus modos estranhos. desajeitado ou tímido, não sei, mas se
arrojava literalmente sobre o piano e violentava todos os efeitos. Parecia ter
raiva do instrumento, atropelando-o com gestos impulsivos e suspirando
ruidosamente ao executar as partes mais difíceis. As vezes se acalmava e
obtinha efeitos de suave e surpreendente doçura. Com vícios e qualidades, seu
estilo se constituía em algo muito particular.”
Para os pais, uma desilusão. Era verdade que ele tinha sido capaz de
tocar a segunda balada, de Chopin com
apenas 12 anos; mas não ganhar o prêmio do conservatório significava o fim da
carreira de virtuose, o fim da carreira do pai, que já se via no papel de
empresário do jovem prodígio... Mas surpreendente ainda seria sua passagem
pelas aulas de harmonia de Émile Durand. O curso durou 3 anos. Nesse tempo,
Debussy, o revolucionário da ciência dos acordes e da escritura harmônica, não
mereceu uma simples menção honrosa nos exames anuais.Durand, professor metódico
e minucioso, amante da disciplina, considerava uma louca extravagância os
exercícios do aluno. Claude parecia determinado a quebrar as normas rígidas de
encadeamento dos acordes, a abolir as tradicionais formalidades de preparação e
resolução harmônicas baseadas nos princípios da tonalidade. Sentia prazer em
encadear acordes incomuns, acordes de quartas, sétimas e nonas, levando a harmonia
a campos desconhecidos e perigosos. Na maturidade, ele poria em dúvida aqueles
métodos de ensino, contra os quais brigava na juventude. Por indicação de seu
professor Marmontel, o jovem Claude, aos 17 anos, passou a acompanhar como
pianista, as viagens de madame Von Meck. Essa por sua vez adorava música; e
Tchaikovsky, a quem enviava dinheiro regularmente. Nas cartas que trocavam, ela
tratava Achille-Claude por De Bussy, atendendo a um capricho dele, pois assim
grafado, o sobrenome dava a impressão de origens nobres. E ele gostava de frequentar
aquele mundo rico, onde a arte tinha um lugar privilegiado.
O contrato estipulava que Claude Debussy
deveria ficar à disposição como integrante do trio der madame Von Mecke,
interprete particular e professor de seus filhos, nas viagens de férias. Por
três anos, nos meses de julho, agosto e setembro, Achille - Claude faria parte
da numerosa comitiva que acompanhava a mecene de Tchaikovsky. Oportunidade
única, embora ele não gostasse da música do compositor, que obviamente tinha de
executar constantemente para madame. Ele
podia agora conhecer as principais cidades europeias como Florença, Veneza,
Viena e Moscou. Outro mundo sonoro se descortinaria para Debussy, em um
concerto em Viena ouviu pela primeira vez Tristão
e Isolda, de Wagner, onde muitos apontaram os primeiros sons do atonalismo. Nos cabarés de Moscou, ouvirias os ciganos,
com suas músicas fortes e livres das leis rígidas dos conservatórios, sobretudo
no ritmo e nas improvisações que empolgavam Debussy.
Depois das primeiras viagens, tendo abandonado
as aulas de piano, passou a dedicar-se inteiramente a composição. Desde o período da iniciação, em que ele
lutava para abrir caminho em um mundo musical que não era o seu, sobreviviam
três canções: notes das estrelas, escrita
aos 14 anos, belo entardecer e flor dos trigos, escrita aos 16. Já se percebe nesses trabalhos
como seria a escrita de Debussy. Contudo ainda procuraria apoio em alguns
mestres. As aulas de Auguste Bazile tinham por finalidade fazer o aluno improvisar,
harmonizar melodias e adaptar para piano, a primeira vista, uma partitura
orquestral. Nessa classe, Claude obteve um brilhante primeiro prêmio. Depois,
atraído pelo prestígio de Cesar Franck, tentou seguir o curso de órgão no conservatório.
O compositor belgo-francês o convidou a executar exercícios de improvisação e,
a cada oito compassos gritava: module,
vamos, module! O aluno ficou
desencorajado. Não sentia necessidade alguma de modular. Para que mudar de tom,
obedecendo as velhas regras de harmonia? Apenas por princípios? Terminou o
exercício e não voltou mais.
O
último mestre de importância foi Ernest Guiraud, do curso de composição, fuga e
orquestração. O mais compreensivo e afetuoso de todos. Via com prazer o
inconformismo do aluno, e, agindo de maneira flexível, conseguiu fazê-lo
praticar fuga e contraponto, que Claude odiava. Pacientemente, Guiraud
mostrou-lhe que esse estudo era um caminho, o meio, não o fim. Guiraud queria preparar
o aluno para concorrer ao prêmio de Roma, que oferecia ao vencedor uma bolsa de
estudos na Villa Medici, na capital italiana, onde até hoje funciona uma
Academia Francesa. Era um centro musical importante na época. O bolsista fazia
jus a uma estadia nas melhores condições. Além disso, ter passado pela Villa
Medici dava prestígio ao artista. Ganhar projeção e dar alegria a família,
depois da decepção como virtuose: só isso pode explicar a dedicação com que
Debussy se empenhou em busca de ganhar o prêmio. Sabia que, para conquistar o
objetivo, teria que compor música no estilo contra o qual lutava. Teria que agradar o júri com um tipo de
trabalho tradicional e conservador.
Para
sobreviver enquanto estudava, trabalhava como acompanhante das aulas de canto
da professora Moreal Saint em um
coral dirigido por Charles Gounod, o melodista da Ave Maria. Uma aluna de Moreal Sainty, madame Vasnier, jovem e
bonita mulher de um arquiteto, bem mais velho que a mulher, se interessou PR
aquele rapaz que, ela achava, tocava de maneira tão especial. E Debussy ficou
maravilhado com ela. Logo passou a frequentar a casa dos Vasnier. O arquiteto,
bem mais velho que a mulher, também gostou do rapaz. Naquela casa confortável, na
bela figura da senhora, na disposição do senhor Vasnier em guiar-lhe os passos
em sua rica biblioteca, Debussy sentia-se como se tivesse ganhado uma nova
família compreensiva com seus sentimentos de artista, coisa que nunca havia
visto nos parentes de sangue. Madame Vasnier dirá do jovem que conheceu: era um grande rapaz imberbe, de traços acentuados
e espessos cabelos negros encaracolados, que ele trazia sempre penteados. No
fim dos dias, porém, já estavam despenteados (o que lhe caía muito melhor).
Tinha, segundo meu pai, um tipo original de florentino da Idade Média. Era uma
fisionomia muito interessante: os olhos, sobretudo, atraíam a atenção. As mãos
eram fortes, ossudas, os dedos quadrados, sua execução ao piano era sonora, ora
com marteladas, ora muito doce e cantante. O casal colocou a disposição de
Debussy uma sala com piano no quinto andar da casa, na Rua Constantinopla. O
jovem compositor ia lá quase todos os dias. Ficava horas improvisando, muitas
vezes sobre o canto de madame Vasnier, que tinha boa voz.
O resultado dessa convivência foi que os dois
se apaixonaram. A primeira versão de suas Fêtes
Galates (Festas Galantes), composta
sobre versos de Paul Verlaine em 1883, trazia a seguinte dedicatória: essas canções tomaram vida unicamente para
ela, e perderão sua graça se não passarem por sua boca de fada melodiosa. Claro
que ela era madame Vasnier. O casal o
aconselhava a trabalhar duro para conquistar o Prêmio de Roma. Não apenas por
sua importância, mas também para reabilitá-lo diante da família. Cada vez mais
distante de Achille s Claude, mestre Guiraud também dava conselhos. Depois de
ouvir trechos de uma composição, Diana no
Bosque, disse-lhe: isso tudo é muito
interessante, mas é preciso reservar para o futuro, ou nunca terá p prêmio de
Roma.
Obedecendo, Debussy
mudou de tática. Passou a pesquisar músicas premiadas em concursos anteriores,
para saber onde agradar ao júri. E aplicada às fórmulas vencedoras às suas
próprias composições. Não lhe agradava fazer isso, MS deu resultado. Aos 21
anos, em 1883, tirou o segundo lugar com uma cantata o gladiador, e no ano seguinte, finalmente, era o vencedor
com o Filho pródigo. Os dias seguintes, antes da
partida foram tristes, pior que frequentar cursos em que não tinha nenhum
interesse, havia a distância: a separação de madame Vasnier. Passou algumas
horas nas noites ao lado da amada, passeando ao longo do Senna, trocando
palavras em voz baixa, colados um no outro. Era talvez, o seu primeiro amor.
Porém, apesar de sua natureza sensual, não se tem provas de que tenha tido um
relacionamento íntimo com Madame Vasnier. Antes da partida, ele lhe deu uma
coleção com todas as canções que havia composto, com a seguinte dedicatória: Diante do Céu de verão morno e calmo, me
lembro de você como num sonho. E minha saudade fiel me faz amar e prolongar as
horas em que fui amado.
Na Villa Medici
existe um bosque cerrado, cheio de passarinhos. É o lugar preferido de
Achille-Claude, para meditar e compor. Na biblioteca, estudava as composições
de Bach, Palestrina e Wagner. Também lê Shakespeare, Baudalaire, Verlaine.
Frequenta os museus da cidade eterna, sai muito, percorre antiquários atrás de
objetos japoneses, que passa a colecionar. Faz relacionamentos na cidade romana
e fica amigo do conde Joseph Primoli, embaixador de Paris em Roma, que o leva a
passeios em uma suntuosa propriedade a beira mar. Além dessas regalias, ainda
goza do prestígio de vencedor do prêmio em Roma. Mas nada disso o anima.
Não
fosse pelas insistências de amigos, Achille-Claude teria abandonado a Villa Medici
desde o momento em que chegara. Aquilo para ele não passava de um “quartel
leigo”. Horrorizava-o a disciplina exigida pelo regulamento, e não sentia
prazer no convívio com a maioria dos outros bolsistas. Reencontrou antigos
companheiros do Conservatório em Paris, mas logo também se afastou deles.
Queixava-se em cartas: essas pessoas são
muito prêmio de Roma!
O desprezo pelos
títulos oficiais, às ideias originais sobre músicas, a saudade de madame
Vasnier: Debussy tornara-se um solitário. Os colegas começaram a chamá-lo de Príncipe das Trevas:
de algum lugar ele surge apenas nas horas das refeições.
Debussy
ainda não dominava sua forma pessoal de compor aquilo que ele imaginava a sua
música. Só o que tinha era seu instinto, seus sonhos e a forte tendência a
procurar o desconhecido. Mesmo sem ter ainda formulado uma teoria artística
coerente, atacava tudo quanto sentia atrapalhar sua caminhada. Cadências
perfeitas, ritmos uniformes. Nãoi era o que ele queria. O príncipe das trevas
sentava-se ao piano e praticava seus acordes dissonantes (até então apenas
vistos “quando escoltados por policiais”, como se dizia). gostava de deixar no
ar os acordes: eles tinham de soar sem nenhuma obrigação de resolver suas
dissonâncias, neste ou naquele tom, como exigiam os tratados de harmonia. Dos
dias de Roma, só aprontou uma composição: Printemps
(Primavera).
Era
previsível: não conseguiu ficar em Villa Medici os três anos de duração da
bolsa. Sempre que podia, voltava a Paris. Os encontros com madame Vasnier,
contuso já não eram tão calorosos. Ele dizia ao casal que, se continuasse em Roma, correria o risco de se
anular completamente. Queria trabalhar, produzir, o que em Villa Medici era
impossível. Pouco depois de completar o
segundo ano em Roma, decidiu ir embora.
Apesar
dos conflitos com a disciplina em mais de uma década de estudos, havia um ponto
positivo pelo menos: uma sólida formação musical. Os conhecimentos aliados a formação
e a genialidade haviam preparado um músico revolucionário. Ele violara as
sólidas regras da música de maneira inteligente e eficaz, pela simples razão de
conhecê-la a fundo.
Um
novo tempo já o esperava em Paris. Havia uma efervescência nas artes: poesia,
música, pintura. Era o tempo do símbolo, do sonho, do misticismo, lutando para
impor-se diante dos romances realistas e dos poemas parnasianos. Baudelaire era
enfim reconhecido; Maeterlinck publicava seus dramas para teatro de marionetes,
Monet e os impressionistas expunham suas primeiras obras.; descobria-se a
beleza de Verlaine. Paris era um centro mágico onde, em diferentes áreas,
explodiam artistas sensacionais. Podemos avaliar o estado de espírito com que
Debussy encarava sua nova faze.
Ele
simplesmente pregava a eliminação dos métodos então aplicados ao estudo da
harmonia. Era esse Debussy que deixava para trás a pacata e conservadora Villa
Medici. Assim, o ex-príncipe das trevas desembarcou na fervilhante cidade da
luz.
Nessa
época, uma febre assolava a Europa. Nos meio artísticos e intelectuais, nas
salas, nos cafés, só se falava de um assunto: Wagner. Havia verdadeiras
romarias a Bayreutch, de fiéis seguidores da nova estética, para escutar a
música do mestre alemão em seu próprio templo sagrado. Ente os convertidos à
religião wagneriana, estava Claude
Debussy.
Ele
havia conhecido Wagner desde os tempos do conservatório de Paris. Porém, na
Villa Medici, onde passara horas debruçados em cima das partituras, pode perceber melhor a importância do
compositor para música de sua época. Grandes discussões surgiam na famosa
Soirées de Mardi (noitadas de terça feira) na casa do poeta Mallarmés, onde um
grupo de jovens e inquietos artistas se encontravam para discutir as próprias
obras e os movimentos artísticos. Debussy, frequentador das noites parisienses,
conhecidos nos bares de Montmartres, sentiria mais afinidade com poetas e pintores do que com os músicos
contemporâneos seus, principalmente os partidários da música oficial e
institucionalizada.
Nas
revistas, nos jornais, a obra de Wagner era dissecada por monstros sagrados das
letras como Mallarmé, Verlaine, Paul Claude e Valéry entre outros. Certo dia,
Debussy resolveu participar da peregrinação a Bayreutch. Em más condições
financeiras, iria até mesmo a pé, apesar das centenas de quilômetros a
percorrer. Mas, alguns amigos interessados na total conversão dele ao
wagnerismo, pagaram-lhe a passagem. Da primeira viagem, em 1888, ele voltou entusiasmado; mas da segunda, voltou
decepcionado, indisposto com a filosofia do mestre alemão, sentindo-se avesso
ao drama wagneriano. Por fim passou a atacar a obra de Wagner, dizendo que no
fundo ele não passava de um compositor que criou um sistema que só servia a ele
próprio. Mas a linguagem de Wagner impregnou de tal forma o espírito de
Debussy, que ela se manifestaria em sua obra como uma reminiscência mais ou
menos inconciente.
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