sexta-feira, 26 de julho de 2013

DEBUSSY

Ao contrário do que acontece com tantas celebridades, não havia na infância de Debussy, nenhum sinal que apontasse para um grande destino. Ao que parece, jamais teria passado pela escola; e até a mocidade mal coseguia soletrar. Seu pai Manuel Achille Debussy, foi ez fuzileiro naval, foi comerciante e depois empregado de uma grade companhia. A mãe, Victorine não se destacou sequer pela devoção materna. Nenhum músico na família, nenhum artista, nenhum incentivo em casa. Mais tarde, ele jamais gostaria de falar da infância: “Ah, mamãe! Os bofetões! Deles eu me lembro muito bem”. Ou então sobre o seu pai: “Era um velho vagabundo!” não deixava de haver uma ponta de afeição nesses comentários, mas eles revelavam como terá sido difícil a convivência com os pais e outros quatro irmãos.
Achille-Claude Debussy nasceu em 22 de agosto de 1862 em Sant Germain-em-Laye, uma pequena cidade nos limites de Paris. O avesso do menino prodígio, do músico precoce: Mozart, Schubert e tantos outros já haviam composto metade de suas obras por volta dos vinte e poucos anos de idade, em que Debussy estaria engatinhando na carreira. Sua iniciação um tanto tardia se devem aos padrinhos de batismo: a tia paterna Clémentine e um rico homem de negócios, Achille-Antoine Arosa. Os dois jamais se casariam, mas Antoine era, como se costumava dizer, o “protetor” de tia Clémentine. Era uma felicidade para Claude quando o padrinho o levava para sua bela e luxuosa casa em Saint-Cloud, ou quando iam passear em Cannes, na Côte D’Azur. O mar deixava o garoto encantado. O movimento das ondas, o ritmo caprichoso, a transparências, a textura, os reflexos. Tudo isso seria fundamental mais tarde, quando ele criasse suas próprias regras musicais. O mar, belo e indomável foi o primeiro professor de música de Debussy. É claro que a princípio o impacto da visão do mar não lhe despertou propriamente, uma visão de mundo sonoro. O pequeno Claude dizia que quando crescesse, seria marinheiro, decisão que agradou aos pais. Mas durante uma estada em Cannes, Clémentine proporcionou ao afilhado, então com nove anos, as primeiras lições de piano, dadas por um professor italiano, chamado Cerutti. O pianista da orquestra municipal de Cannes não notou nenhuma aptidão maior no menino. Seus dons seriam percebidos logo em seguida, em Paris, ao frequentar as aulas de uma aluna de Chopin, Mauté de Fleurville. Sogra do poeta Paul Verlaine, mulher de espírito penetrante e reconhecidamente uma professora de valor, foi a primeira a divisar o futuro de Debussy. “Devo a ela o pouco de piano que sei”, diria ele, anos depois, modestamente agradecido a grande mestra. Além de aluna de Chopin, Fleurville conhecia Wagner pessoalmente e havia convivido com o poeta Alfred de Musset e o escritor Honoré de Balsac. Difícil imaginar alguém melhor do que ela para iniciar o jovem artista. Usando de sua autoridade, Fleurville convenceu os pais de Achille-Claude a deixá-lo seguir a carreira de músico profissional, em vez de marinheiro. Ela lhes mostrou o quanto poderia ganhar bem um pianista virtuose. Foi o argumento decisivo. Aos 11 anos, o menino entrou para o conservatório de Paris.  Graças aos ensinamentos de Mauté de Fleurville,  já em 1873 ele seria admitido na classe superior de piano de Antoine Marmontel, um disciplinado formador de virtuoses, que escreverá no boletim de Achille-Claude: “criança encantadora, verdadeiro temperamento de artista,  vai tornar-se músico distinto, muito futuro.” Não tardou, porém, o jovenzinho a escandalizar os professores com sua independência e suas perguntas desconcertantes, subversivas. O pai, ambicioso, sonhando com o sucesso, obrigava-o a estudar exaustivamente todos os dias. Só dava trégua aos domingos, quando Claude podia correr para o Bois de Boulogne, um bosque dentro de Paris, onde se divertia caçando borboletas. Voltava para a casa, pregava-as na parede do quarto e ficava admirando os delicados desenhos e as cores das asas.
Durante 12 ano, ele iria segui, sem muito entusiasmo, o curso do conservatório. Ia bem em algumas matérias, mal em outras, dependendo do relacionamento com os professores. O academicismo do ensino o incomodava.  Não se conformava com as formas estabelecidas, as imposições, as “verdades absolutas”, e lá vi o menino com suas questões: de onde vêm essas leis que submentem os acordes a serem dessa ou daquela maneira?não se pode mudá-las? E essas escalas porque não consideramos os sons individualmente, deixando ao compositor total liberdade para agrupá-los a seu gosto? O que significam essas denominações de tempo forte, tempo fraco, tempo composto? Composto de quê?

Achille–Claude não via necessidade de explicações teóricas que não se baseassem em experiências auditivas. Essa atitude perturbava os mestres; eles se viam diante de  problemas que não entendiam como pudesse passar pela cabeça de um adolescente. Para eles, era como tentar responder porque o céu é azul, ou porque a gente anda para a frente. Tratava-se de verdades indiscutíveis.  Havia, porém, entre os mestres, aqueles que viam nas impertinências do menino, sinais de um espírito inquieto e interessado, em busca de novos caminhos. O professor de solfejo, por exemplo. Albert Lavignac, um jovem de 27 anos, simpatizou com Claude. Ficaram amigos. Conversavam longamente sobre música e costumavam permanecer na escola depois das aulas, decifrando partituras a quatro mãos no piano. Lavignac partilhara da grande admiração que o compositor alemão Richard Wagner despertava no mundo musical da época. E levou para o aluno a partitura de Tannhäuser.  Certo dia, os dois se empolgaram analisando os da escritura wagneriana, e não perceberam o correr das horas. Quando se deram conta, estavam trancados na escola. Um vigia os descobriu, perdidos nos corredores desertos e escuros e os libertou. A  direção do conservatório se escandalizou com a atitude “ inconsequente” dos dois. Mas a amizade com Lavignac era um estímulo para Achille-Claude, que iria ganhar sua primeira medalha em solfejo.  A situação era bem diferente nas aulas de piano, para a grade decepção de Manuel Debussy. O professor Marmontel, a quem o compositor Berlioz chamava de “um dos  grades sacerdotes da rotina”,  não tinha a mesma disposição de Lavignac e não gostava de ver seus métodos questionados. Claude por su8a vez, não mostrava o menor interesse em praticar a “ginástica digital”: arpejos, escalas, trinados, notas repetidas. Cansava-se dos exercícios e não via a hora de decifrar qualquer partitura que  lhe caísse nas mãos. Ou então fazer o que mais gostava: improvisar. Procurava novos acordes, harmonias incomuns, tudo que incomodava a Marmontel. O mestre dizia do aluno: “não gosta de tocar piano, mas sem dúvida gosta muito de música.” Por seis anos, Achille-Claude tentou ganhar o primeiro prêmio de piano, sem conseguir. Não progredia tecnicamente e sua maneira de interpretar, cada vês mais pessoal, desagradava os membros do júri. Um dos colegas de classe de Marmontel, diria: “ele nos assombrava com seus modos estranhos.  desajeitado ou tímido, não sei, mas se arrojava literalmente sobre o piano e violentava todos os efeitos. Parecia ter raiva do instrumento, atropelando-o com gestos impulsivos e suspirando ruidosamente ao executar as partes mais difíceis. As vezes se acalmava e obtinha efeitos de suave e surpreendente doçura. Com vícios e qualidades, seu estilo se constituía em algo muito particular.”  Para os pais, uma desilusão. Era verdade que ele tinha sido capaz de tocar a segunda balada, de Chopin com apenas 12 anos; mas não ganhar o prêmio do conservatório significava o fim da carreira de virtuose, o fim da carreira do pai, que já se via no papel de empresário do jovem prodígio... Mas surpreendente ainda seria sua passagem pelas aulas de harmonia de Émile Durand. O curso durou 3 anos. Nesse tempo, Debussy, o revolucionário da ciência dos acordes e da escritura harmônica, não mereceu uma simples menção honrosa nos exames anuais.Durand, professor metódico e minucioso, amante da disciplina, considerava uma louca extravagância os exercícios do aluno. Claude parecia determinado a quebrar as normas rígidas de encadeamento dos acordes, a abolir as tradicionais formalidades de preparação e resolução harmônicas baseadas nos princípios da tonalidade. Sentia prazer em encadear acordes incomuns, acordes de quartas, sétimas e nonas, levando a harmonia a campos desconhecidos e perigosos. Na maturidade, ele poria em dúvida aqueles métodos de ensino, contra os quais brigava na juventude. Por indicação de seu professor Marmontel, o jovem Claude, aos 17 anos, passou a acompanhar como pianista, as viagens de madame Von Meck. Essa por sua vez adorava música; e Tchaikovsky, a quem enviava dinheiro regularmente. Nas cartas que trocavam, ela tratava Achille-Claude por De Bussy, atendendo a um capricho dele, pois assim grafado, o sobrenome dava a impressão de origens nobres. E ele gostava de frequentar aquele mundo rico, onde a arte tinha um lugar privilegiado.
      O contrato estipulava que Claude Debussy deveria ficar à disposição como integrante do trio der madame Von Mecke, interprete particular e professor de seus filhos, nas viagens de férias. Por três anos, nos meses de julho, agosto e setembro, Achille - Claude faria parte da numerosa comitiva que acompanhava a mecene de Tchaikovsky. Oportunidade única, embora ele não gostasse da música do compositor, que obviamente tinha de executar constantemente para madame.  Ele podia agora conhecer as principais cidades europeias como Florença, Veneza, Viena e Moscou. Outro mundo sonoro se descortinaria para Debussy, em um concerto em Viena ouviu pela primeira vez Tristão e Isolda, de Wagner, onde muitos apontaram os primeiros sons do atonalismo.  Nos cabarés de Moscou, ouvirias os ciganos, com suas músicas fortes e livres das leis rígidas dos conservatórios, sobretudo no ritmo e nas improvisações que empolgavam Debussy.
             Depois das primeiras viagens, tendo abandonado as aulas de piano, passou a dedicar-se inteiramente a composição.  Desde o período da iniciação, em que ele lutava para abrir caminho em um mundo musical que não era o seu, sobreviviam três canções: notes das estrelas, escrita aos 14 anos, belo entardecer e flor dos trigos,  escrita aos 16. Já se percebe nesses trabalhos como seria a escrita de Debussy. Contudo ainda procuraria apoio em alguns mestres. As aulas de Auguste Bazile tinham por finalidade fazer o aluno improvisar, harmonizar melodias e adaptar para piano, a primeira vista, uma partitura orquestral. Nessa classe, Claude obteve um brilhante primeiro prêmio. Depois, atraído pelo prestígio de Cesar Franck, tentou seguir o curso de órgão no conservatório. O compositor belgo-francês o convidou a executar exercícios de improvisação e, a cada oito compassos gritava: module, vamos, module!  O aluno ficou desencorajado. Não sentia necessidade alguma de modular. Para que mudar de tom, obedecendo as velhas regras de harmonia? Apenas por princípios? Terminou o exercício e não voltou mais.
            O último mestre de importância foi Ernest Guiraud, do curso de composição, fuga e orquestração. O mais compreensivo e afetuoso de todos. Via com prazer o inconformismo do aluno, e, agindo de maneira flexível, conseguiu fazê-lo praticar fuga e contraponto, que Claude odiava. Pacientemente, Guiraud mostrou-lhe que esse estudo era um caminho, o meio, não o fim. Guiraud queria preparar o aluno para concorrer ao prêmio de Roma, que oferecia ao vencedor uma bolsa de estudos na Villa Medici, na capital italiana, onde até hoje funciona uma Academia Francesa. Era um centro musical importante na época. O bolsista fazia jus a uma estadia nas melhores condições. Além disso, ter passado pela Villa Medici dava prestígio ao artista. Ganhar projeção e dar alegria a família, depois da decepção como virtuose: só isso pode explicar a dedicação com que Debussy se empenhou em busca de ganhar o prêmio. Sabia que, para conquistar o objetivo, teria que compor música no estilo contra o qual lutava.  Teria que agradar o júri com um tipo de trabalho tradicional e conservador.
            Para sobreviver enquanto estudava, trabalhava como acompanhante das aulas de canto da professora Moreal Saint em um coral dirigido por Charles Gounod, o melodista da Ave Maria. Uma aluna de Moreal Sainty, madame Vasnier, jovem e bonita mulher de um arquiteto, bem mais velho que a mulher, se interessou PR aquele rapaz que, ela achava, tocava de maneira tão especial. E Debussy ficou maravilhado com ela. Logo passou a frequentar a casa dos Vasnier. O arquiteto, bem mais velho que a mulher, também gostou do rapaz. Naquela casa confortável, na bela figura da senhora, na disposição do senhor Vasnier em guiar-lhe os passos em sua rica biblioteca, Debussy sentia-se como se tivesse ganhado uma nova família compreensiva com seus sentimentos de artista, coisa que nunca havia visto nos parentes de sangue. Madame Vasnier dirá do jovem que conheceu: era um grande rapaz imberbe, de traços acentuados e espessos cabelos negros encaracolados, que ele trazia sempre penteados. No fim dos dias, porém, já estavam despenteados (o que lhe caía muito melhor). Tinha, segundo meu pai, um tipo original de florentino da Idade Média. Era uma fisionomia muito interessante: os olhos, sobretudo, atraíam a atenção. As mãos eram fortes, ossudas, os dedos quadrados, sua execução ao piano era sonora, ora com marteladas, ora muito doce e cantante. O casal colocou a disposição de Debussy uma sala com piano no quinto andar da casa, na Rua Constantinopla. O jovem compositor ia lá quase todos os dias. Ficava horas improvisando, muitas vezes sobre o canto de madame Vasnier, que tinha boa voz.
             O resultado dessa convivência foi que os dois se apaixonaram. A primeira versão de suas Fêtes Galates (Festas Galantes), composta sobre versos de Paul Verlaine em 1883, trazia a seguinte dedicatória: essas canções tomaram vida unicamente para ela, e perderão sua graça se não passarem por sua boca de fada melodiosa. Claro que ela era madame Vasnier. O casal o aconselhava a trabalhar duro para conquistar o Prêmio de Roma. Não apenas por sua importância, mas também para reabilitá-lo diante da família. Cada vez mais distante de Achille s Claude, mestre Guiraud também dava conselhos. Depois de ouvir trechos de uma composição, Diana no Bosque, disse-lhe: isso tudo é muito interessante, mas é preciso reservar para o futuro, ou nunca terá p prêmio de Roma.
            Obedecendo, Debussy mudou de tática. Passou a pesquisar músicas premiadas em concursos anteriores, para saber onde agradar ao júri. E aplicada às fórmulas vencedoras às suas próprias composições. Não lhe agradava fazer isso, MS deu resultado. Aos 21 anos, em 1883, tirou o segundo lugar com uma cantata  o gladiador,  e no ano seguinte, finalmente, era o vencedor com o  Filho pródigo. Os dias seguintes, antes da partida foram tristes, pior que frequentar cursos em que não tinha nenhum interesse, havia a distância: a separação de madame Vasnier. Passou algumas horas nas noites ao lado da amada, passeando ao longo do Senna, trocando palavras em voz baixa, colados um no outro. Era talvez, o seu primeiro amor. Porém, apesar de sua natureza sensual, não se tem provas de que tenha tido um relacionamento íntimo com Madame Vasnier. Antes da partida, ele lhe deu uma coleção com todas as canções que havia composto, com a seguinte dedicatória: Diante do Céu de verão morno e calmo, me lembro de você como num sonho. E minha saudade fiel me faz amar e prolongar as horas em que fui amado.
            Na Villa Medici existe um bosque cerrado, cheio de passarinhos. É o lugar preferido de Achille-Claude, para meditar e compor. Na biblioteca, estudava as composições de Bach, Palestrina e Wagner. Também lê Shakespeare, Baudalaire, Verlaine. Frequenta os museus da cidade eterna, sai muito, percorre antiquários atrás de objetos japoneses, que passa a colecionar. Faz relacionamentos na cidade romana e fica amigo do conde Joseph Primoli, embaixador de Paris em Roma, que o leva a passeios em uma suntuosa propriedade a beira mar. Além dessas regalias, ainda goza do prestígio de vencedor do prêmio em Roma. Mas nada disso o anima.
            Não fosse pelas insistências de amigos, Achille-Claude teria abandonado a Villa Medici desde o momento em que chegara. Aquilo para ele não passava de um “quartel leigo”. Horrorizava-o a disciplina exigida pelo regulamento, e não sentia prazer no convívio com a maioria dos outros bolsistas. Reencontrou antigos companheiros do Conservatório em Paris, mas logo também se afastou deles. Queixava-se em cartas: essas pessoas são muito prêmio de Roma!
            O desprezo pelos títulos oficiais, às ideias originais sobre músicas, a saudade de madame Vasnier: Debussy tornara-se um solitário. Os colegas  começaram a chamá-lo de Príncipe das Trevas: de algum lugar ele surge apenas nas horas das refeições.
            Debussy ainda não dominava sua forma pessoal de compor aquilo que ele imaginava a sua música. Só o que tinha era seu instinto, seus sonhos e a forte tendência a procurar o desconhecido. Mesmo sem ter ainda formulado uma teoria artística coerente, atacava tudo quanto sentia atrapalhar sua caminhada. Cadências perfeitas, ritmos uniformes. Nãoi era o que ele queria. O príncipe das trevas sentava-se ao piano e praticava seus acordes dissonantes (até então apenas vistos “quando escoltados por policiais”, como se dizia). gostava de deixar no ar os acordes: eles tinham de soar sem nenhuma obrigação de resolver suas dissonâncias, neste ou naquele tom, como exigiam os tratados de harmonia. Dos dias de Roma, só aprontou uma composição: Printemps (Primavera).
            Era previsível: não conseguiu ficar em Villa Medici os três anos de duração da bolsa. Sempre que podia, voltava a Paris. Os encontros com madame Vasnier, contuso já não eram tão calorosos. Ele dizia ao casal que, se  continuasse em Roma, correria o risco de se anular completamente. Queria trabalhar, produzir, o que em Villa Medici era impossível.  Pouco depois de completar o segundo ano em Roma, decidiu ir embora.
            Apesar dos conflitos com a disciplina em mais de uma década de estudos, havia um ponto positivo pelo menos: uma sólida formação musical. Os conhecimentos aliados a formação e a genialidade haviam preparado um músico revolucionário. Ele violara as sólidas regras da música de maneira inteligente e eficaz, pela simples razão de conhecê-la a fundo.
            Um novo tempo já o esperava em Paris. Havia uma efervescência nas artes: poesia, música, pintura. Era o tempo do símbolo, do sonho, do misticismo, lutando para impor-se diante dos romances realistas e dos poemas parnasianos. Baudelaire era enfim reconhecido; Maeterlinck publicava seus dramas para teatro de marionetes, Monet e os impressionistas expunham suas primeiras obras.; descobria-se a beleza de Verlaine. Paris era um centro mágico onde, em diferentes áreas, explodiam artistas sensacionais. Podemos avaliar o estado de espírito com que Debussy encarava sua nova faze.
            Ele simplesmente pregava a eliminação dos métodos então aplicados ao estudo da harmonia. Era esse Debussy que deixava para trás a pacata e conservadora Villa Medici. Assim, o ex-príncipe das trevas desembarcou na fervilhante cidade da luz.
            Nessa época, uma febre assolava a Europa. Nos meio artísticos e intelectuais, nas salas, nos cafés, só se falava de um assunto: Wagner. Havia verdadeiras romarias a Bayreutch, de fiéis seguidores da nova estética, para escutar a música do mestre alemão em seu próprio templo sagrado. Ente os convertidos à religião wagneriana, estava Claude  Debussy.
            Ele havia conhecido Wagner desde os tempos do conservatório de Paris. Porém, na Villa Medici, onde passara horas debruçados em cima das partituras,  pode perceber melhor a importância do compositor para música de sua época. Grandes discussões surgiam na famosa Soirées de Mardi (noitadas de terça feira) na casa do poeta Mallarmés, onde um grupo de jovens e inquietos artistas se encontravam para discutir as próprias obras e os movimentos artísticos. Debussy, frequentador das noites parisienses, conhecidos nos bares de Montmartres, sentiria mais afinidade com poetas  e pintores do que com os músicos contemporâneos seus, principalmente os partidários da música oficial e institucionalizada.
            Nas revistas, nos jornais, a obra de Wagner era dissecada por monstros sagrados das letras como Mallarmé, Verlaine, Paul Claude e Valéry entre outros. Certo dia, Debussy resolveu participar da peregrinação a Bayreutch. Em más condições financeiras, iria até mesmo a pé, apesar das centenas de quilômetros a percorrer. Mas, alguns amigos interessados na total conversão dele ao wagnerismo, pagaram-lhe a passagem. Da primeira viagem, em 1888, ele  voltou entusiasmado; mas da segunda, voltou decepcionado, indisposto com a filosofia do mestre alemão, sentindo-se avesso ao drama wagneriano. Por fim passou a atacar a obra de Wagner, dizendo que no fundo ele não passava de um compositor que criou um sistema que só servia a ele próprio. Mas a linguagem de Wagner impregnou de tal forma o espírito de Debussy, que ela se manifestaria em sua obra como uma reminiscência mais ou menos inconciente.

           






Nenhum comentário:

Postar um comentário