domingo, 9 de fevereiro de 2014

FANDANGO NO PARANÁ - ILHA DOS VALADARES

 Ao abordar sobre cultura brasileira, podemos perceber que o Paraná se fixou no cenário nacional e até regional sem uma tradição de sua identidade. Porém, isso não significa que não possua. Sendo assim, é fundamental para os paranaenses o conhecimento da cultura legitima e pura do nosso estado: o fandango. Apesar de sua simplicidade, esses mantém uma estrutura poética e rítmica, que o diferencia do fandango de outros estados.
     No Brasil, o fandango possui significados distintos, dependendo da região. Em alguns estados do norte e nordeste, é chamado de bailado dos marujos e marujadas, chegança dos marujos ou barca.  Na região sul, a partir de São Paulo até o Rio Grande do Sul, é considerado um conjunto de danças rurais, composto de diversas coreografias. Enquanto no norte e nordeste não há um enredo lógico, sendo uma série de cantigas náuticas de várias origens, na região sul o descobrimos como festa/ baile. Em São Paulo é uma dança como o cateretê, outras vezes é sinônimo da chula.  Como baile ou dança, pode ser tanto individual quanto de par, não sendo conhecida no norte de nosso país. Segundo Novack (2005 p19), há afirmações de que no Brasil existem duas modalidades de fandango, o do litoral, onde são usados tamancos para se dançar em um tablado de madeira, e o tropeiro, onde botas são utilizadas. 
      Embora o Paraná seja considerado um estado pobre em danças folclóricas, o fandango paranaense É rico em canções e ritmos, sendo uma reunião de diversas danças (marcas). Sua coreografia é difícil, exigindo de quem a executa técnica, dedicação, desenvoltura e preparo. Além disso, existe a necessidade de calçado adequado para o sapateado masculino: os tamancos.
      Apesar de muitos estudos registraremos fandango como expressão cultural de origem estritamente ibérica, para o historiador e professor Magnus Pereira, da UFPR isso é equivocado. Segundo ele, estudiosos da cultura européia localizaram a procedência do fandango na América latina. Em seu livro semeando... irás rumo ao progresso, ele faz referência ao historiador Peter Burk, o qual escreveu que o fandango veio da América para a Espanha por volta de 1700.
Empregando esse raciocínio, o fandango paranaense veio com os ibéricos, e teve sua origem na América Latina, sendo levado para Europa, onde se desenvolveu, retornando para algumas regiões brasileiras.
            Porém, Bittar (2008 p 18) nos chama atenção para dificuldades dos pesquisadores que se propõe a buscar as raízes dessa dança, tendo em vista que para alguns, o fandango possui mais de 1000 anos de existência, sendo uma herança fenícia. Outros apontam a Índia, sendo o Brasil seu país de origem. Há ainda quem encare sua procedência vinda das Filipinas. As diversidades dessas teorias dificultam a constatação referente à idade e procedência do fandango.
      No Paraná, essa é uma festa típica de caboclos e pescadores, habitantes da faixa litorânea do estado, onde várias danças regionais denominadas “marca de fandango” são executadas. Segundo Azevedo (1978, p3)
 Temos Registrado perto de trinta marcas diferentes, e muitas outras existem ainda, próprias de cada região que se dança o fandango. As que temos anotado são as seguintes: Anu, Xarazinho, Xará Grande, Queromana, Tonta, Dondom, Chamarrita, Andorinha, Cana verde, Marinheiro, Caranguejo, Vilão de Fita, Meia Canja, Chico, Tiraninha, Lageana, Passeado, feliz, Serrana, Sabiá, Recortado, Caradura, Sapo, Tatu, Porca, Estrala, Pipoca, Mangelicão, Coqueiro, Pega fogo e outras, umas conhecidas em certas zonas e outras, noutras.
      Segundo Novak no período do Brasil Império o fandango era desprestigiado e proibido por ordens Reais. Também sofreu censuras eclesiásticas, sendo considerada uma heresia.  Essa autora ainda nos relata que nessa época, todos os municípios paranaenses colocaram obstáculos referentes ao fandango e ao batuque, pois eram rotuladas como danças lascivas, onde se realizavam movimentos dos quadris considerados provocações sexuais. Isso era visto como ofensa aos puritanos, classe dominante do período. Segundo a mesma autora, vereadores-fazendeiros demonstraram sua indignação contra o fandango criando leis onde a prática dessa dança era restrita a casos específicos. Ela nos esclarece que no artigo 2º dessa lei (Novak 2005, p31).

Ficam proibidos os batuques ou fandangos ainda mesmo que fora das povoações, sem licença dos Juiz de Paz respectivo, que só poderá conceder a pessoa de reconhecida probabilidade e por ocasião de casamento: o dono da casa que consentir a introdução de filhos de famílias e escravos sem consentimento de seus pais ou Senhores, sofrerá a multa de 5 a 10$000 réis: a mesma pena que ficam sujeitos os que fizerem tais divertimentos sem a licença acima declarada.
Curitiba, 6 de Fevereiro de 1893.
      O fandango permaneceu proibido tanto no meio rural quanto no urbano até 1860. Após essa data, teve uma alteração expressiva na lei: de um “é proibido”, para um ‘é permitido. Porém essa autorização anda era concedida através de autoridade policial.  Somente em 1900 houve um projeto de resgate do fandango, através de Rocha Pombo e Júlio Perneta, fato que foi bem sucedido em algumas regiões. Segundo o professor Pereira (1996, p 217), no Paraná não houve a construção desta tradição por “falta de vontade política.”.
      Atualmente, o interesse pelo fandango tem se restaurado. Diversos grupos, formados especialmente por jovens habitantes do litoral paranaense (chamados caiçaras) vêm recuperando a memória deste que é um dos mais tradicionais elementos da cultura brasileira.
      Na tradição do fandango, os dançarinos são denominados “folgadores”, e as dançarinas, “folgadeiras”.  Os folgadores utilizam tamancos especiais, o que pode ser considerado uma espécie de objeto sonoro, pois devem seguir os acompanhamentos de violas e adulfes. Segundo Pinto (2006 p 99) A viola utilizada no fandango é fabricada nas ilhas Paranaenses, possui onze cordas, e não há métodos de afinação, geralmente são “temperadas”. Há também a “rebeca, ou rabeca”. São confeccionadas através de caxeta, cedro ou caroba. Possui três ou quatro cordas de aço, afinadas nas quitas justas mi, ré, sol. Seu arco é feito de canela ou pitangueira e cordas de timbopeva. O adulfe é confeccionado a partir de caxeta, e as “baterias”, de tampinhas de garrafas amassadas. É coberto com couro de cotia. Esses instrumentos eram fabricados pelos pescadores e caboclos, inclusive o tamanco. Atualmente, devido à falta de matéria prima e as leis do meio ambiente, são confeccionados em outros lugares.  A casa do fandango é uma construção única, pois as danças realizavam-se em recinto fechado, sendo que o assoalho precisa estar a 2 metros do solo (um buraco é feito embaixo do assoalho com 2 metros de profundidade e 3 de diâmetro) A função das folgadeiras no fandango se reume a valsear. Antigamente isso as limitava a somente arrastar os pés, atentas a evolução, sem oferecer nenhuma expressão. Hoje, porém, a mulher (ou folgadeira) participa ativamente, mexendo o corpo e por vezes fazendo a saia rodar, com graça e feminilidade. A folgadeira que antigamente rejeitava uma dança estava fazendo “desfeita”, portanto não poderia haver recusa. Quanto ao folgador, (ou fandangueiro), aquele que através do sapateado consegue quebrar o assoalho recebe o nome de machado. Porém aquele que erra o sapateado faz “balaio”, o que era considerado uma vergonha antigamente. Outro aspecto interessante: quem canta, ou toca algum instrumento não dança, mas às vezes o violeiro deixa seu instrumento para bater palmas.   A festa do fandango durava muitas horas, iniciando ao anoitecer e terminando ao amanhecer.
    Além das festas, antigamente, costumava-se fazer os pichiruns, também chamados de pexirão ou mutirão. Era uma maneira alternativa de se realizar as tarefas agrícolas sem precisar fazer grandes investimentos, obtendo assim alimentos para consumo próprio ou troca. Ao terminar o trabalho, o dono da colheita, em agradecimento aos participantes voluntários, sacrificava uma res, para fazer o Barreado, prato inseparável do fandango. Esse era diferente do entrudo (carnaval): quatro dias em que o litorâneo não fazia outra coisa, a não ser bater fandango e comer barreado. Entrudo é o nome dado antigamente ao carnaval. Esse termo vem do latim introitus. Significa início, ou seja, começo da entrada da Quaresma.  Em vista disso, não há como separar esses dois aspectos: fandango e barreado. Por ser um prato que pode ser requentado várias vezes sem perder o sabor original, folgadores e folgadeiras o preparavam no dia anterior ao fandango. Durante várias horas os ingredientes eram fervidos em uma panela de barro vedada com folha de bananeira pirão de farinha de mandioca, cinza e água. As bebidas consumidas durante o baile são a cachaça da região e cerveja, além do quentão. Esse, porém é tomada fria pelos dançarinos.
     Na ilha dos Valadares encontram-se atualmente três grupos de fandango: Grupo Folclórico Mestre Romão - formado desde 1994. Constituído para divulgar a dança do fandango pelo Brasil afora. Participa de diversos festivais nacionais e internacionais de danças folclóricas, além de inúmeras apresentações ao público em solenidades preparadas. Os músicos e cantadores são moradores antigos da ilha que aprenderam o fandango com seus antepassados. Os dançarinos são jovens estudantes moradores de Paranaguá. Recebem incentivos da Prefeitura municipal de Paranaguá. Grupo de fandango mestre Eugênio: Fundado por Eugênio dos Santos, é constituído de adultos e jovens da Ilha dos Valadares. Possuem uma casa de fandango que ficou pronta em 2003, com palco para tocadores e cantores, além de assoalho de madeira para os dançarinos.  Grupo de fandango Caiçara: Composto apenas por jovens está em busca de fama e dinheiro. A música é mecânica, pois eles não cantam nem tocam instrumentos. Sobrevivem com recursos próprios e treinam para apresentar o fandango show.
     Enfim, essa manifestação é muito rica, infelizmente, não é divulgada. Sendo assim, como citado no início, o Paraná permanece no cenário brasileiro sem uma identidade cultural. Porém isso somente será mudado através de uma conscientização e divulgação de como a nossa cultura é importante e rica, além de estar interligada com diversos fatos históricos do nosso país.

 REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Fernando Corrêa de. Fandango do Paraná. Rio de Janeiro.  Ministério da Educação e Cultura. 1978
BITTAR, Nazir; BRITO, Maria de  Lourdes da Silva;  RANDON, José Augusto Ganba. Fandango de Mutirão. Curitiba, Bof, 2003
PINTO, Inami Custódio. FOLCORE NO PARANÁ. Curitiba. SesquiCentenário. 2006
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando iras rumo ao progresso. Curitiba: Ed. UFPR, 1996.
FANDANGO DO PARANÁ. Disponível em http://www.curitibacultura.com.br, acesso em 8/01/2014.

IINSTRUMENTOS DO FANDANGO: disponível em http://globotv.globo.com acesso em 13/01/2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário